Com programa de combate à pobreza, Emater humaniza políticas públicas no meio rural

Maria Antônia Gonçalves é uma das agricultoras atendidas pelo Fomento Rural em Faro, no Baixo Amazonas

29/08/2024 11h13 - Atualizada em 01/12/2024 09h44
Por Aline Miranda

Quando saem do papel, as políticas públicas adquirem rosto, nome e endereço.

Nos recônditos do Pará, na divisa com o Amazonas, em frente ao rio Nhamundá, município de Faro, uma das identidades do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais (Fomento Rural) é a de Maria Antônia Gonçalves, de 40 anos. Este semestre, a agricultora começou a receber atendimento do escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater) para melhorar e expandir a criação de galinha-caipira. 

Dentro do Sítio Boa Vista, uma área menor do que um hectare no Distrito de Nova Maracanã, o subsídio de R$ 4 mil e 600 reais ajudará na construção de galinheiro e na instalação de bebedouro, entre outros ajustes na infraestrutura: “Tenho por agora umas 30 galinhas-caipiras e uns cinco patos, com grandes ninhadas em breve. Acrescento que sou artesã, faço peças de crochê, além de continuar com o sonho de criar ovelha e de cultivar hortaliças”, conta. 

A feição personalizada por Maria Antônia para o Fomento Rural é nova: formulado em 2011 em nível federal, pela primeira vez o Programa alcança o Baixo Amazonas.

O plano operacional para 2024 a partir de execução das equipes da Emater na região indica 266 famílias em situação de vulnerabilidade em nove municípios, incluindo assentados da reforma agrária, indígenas e quilombolas. Um dos critérios sobre os beneficiários é a dependência de bolsa-família. 

Em Faro, a abrangência-piloto é sobre 24 famílias do Arubi, entorno da Estrada PA-254, Distrito de Nova Maracanã e Comunidade São José. As principais atividades são artesanato, plantio e beneficiamento de mandioca, criação de galinha-caipira, horticultura e pesca artesanal de espécies como curimatã e surubim no rio Nhamundá e lagos adjacentes. 

“Pela Emater, o Fomento Rural no Baixo Amazonas inicia em coleta, cruzamento e tratamento de dados oficiais e continua com propostas sólidas de microempreendimentos, sob o contexto da tradição, dos saberes ancestrais, do estudo de mercado e da viabilidade econômica. É possível que esses agricultores cheguem a triplicar renda”, pontua o engenheiro florestal do escritório regional da Emater em Santarém Edson Rider Souza, especialista em Sociedade, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. 


História 

A história de uma política pública é a história humanizada do povo favorecido. 

O Distrito de Nova Maracanã é um lugar de muita necessidade. Os moradores só não sofrem fome por conta da abundância de recursos naturais.

Maria Antônia Gonçalves, umas das 24 pessoas atendidas pela Emater em Faro na perspectiva do plano operacional 2024 do Programa Fomento Rural, diz que, enquanto a Emater não chegava, se sentia invisível para os governos. “Era como se gente como a gente não existisse. Íamos à própria sorte. A Emater aqui é um alívio, um respiro, um divisor de águas”, conta.

Ela se surpreendeu ao saber que poderia receber apoio do Estado, além do bolsa-família. Uma das articulações da Emater é informar, mobilizar e conscientizar sobre políticas públicas. “Nem sabia que existia oportunidade de dinheiro pra que a gente ajeitasse nossos empreendimentos”, relata. 

Nascida em Brasiléia, interior do Acre, cresceu na intercessão campo-cidade, sem cessar. Trabalhou como diarista, babá, repositora de estoque e secretária, sempre guardando no coração e na memória várias gerações de agricultores familiares: avós, pais e irmãos. 

Na busca de condições melhores, a mulher mudou-se para Manaus, no Amazonas, e ali, em 2018, na época em que cursava faculdade de Enfermagem, perdeu o único filho, Rayner Vinícius, de 15 anos. Segundo a mãe, Rayner saiu para jogar vôlei com amigos, porém desapareceu no caminho. O corpo acabou encontrado dez meses depois, com indícios de assassinato. O caso permanece sem desvendamento. 

“Eu morri junto”, poupa palavra por palavra. 

Ser enfermeira deixou de fazer sentido, posto a ideia de sangue de repente lhe causar um rebuliço de dor. Com depressão e ansiedade, abandonou o Amazonas e refugiou-se em Faro, cidade natal do marido, Hércules Barbosa, de 41 anos. Hércules ganha sustento com diárias em serviço braçal de campo, como limpeza de pasto, condução de gado e carregamento de mercadoria.

Os dois usufruem da companhia de cinco gatos (os machos Apolo, Cao, Kaleo e Kaleb e a fêmea Nic, batizada com a sílaba do meio de “Vinícius”) e duas cadelas (Caramelo e Pretinha).

 Aliados a tratamento psicológico, o contato com a natureza, o afeto dos pets e o cuidado com as aves vêm devolvendo o gosto de existir para Maria Antônia, no cenário do incentivo da Emater: “Eu acordo com esperança, porque reconheço a chance de crescer, percebo significados e consigo sonhar de novo. Penso em tentar faculdade de Agronomia ou Zootecnia”, detalha. 

Para o chefe do escritório local da Emater em Faro, o técnico em agropecuária e administrador Isomar Barros, o objetivo primordial do Fomento Rural no município é fortalecer atividades já existentes, a exemplo da incorporação de equipamentos como forno e triturador para beneficiamento de mandioca.

Muitas vezes, conforme o gestor, a Emater presente é também o Estado palpável: nas fases de diagnóstico e levantamento, os especialistas identificam gargalos em setores como educação, saúde e segurança e engajam as comunidades, bem como buscam parcerias a fim de solução ou encaminham as demandas. 

“A sociedade talvez se pergunte: para que serve a Emater? Como se fôssemos uma realidade distante. Na prática, assistência técnica e extensão rural públicas representam produção de alimentos, abastecimento, promoção de dignidade e cidadania, acesso a direitos, respeito à cultura nativa, preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável”, resume. 


Fomento Rural

Em 2024 o Governo do Pará oficializou a adesão ao Fomento Rural ante o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).

O Programa é executado pela Emater, gerido pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap) e apoiado pela Secretaria de Assistência Social, Emprego e Renda (Seaster).  Na esfera federal, a iniciativa envolve, ainda, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Caixa Econômica Federal (Cef).

A estratégia para 2024 é que 2 mil e 300 famílias de todas as regiões paraenses sejam contempladas com um total cada de R$ 4 mil e 600 reais, sem precisar pagar nada de volta, para investir em alguma atividade socioeconômica, a fim de autossustento e lucro. 


As atividades podem ser tanto de agricultura familiar em si, como casas-de-farinha e criação de galinha-caipira, quanto de serviços comunitários, os quais contribuam para a qualidade de vida, como padarias e oficinas mecânicas.